A lndigenistas Associados (INA), associação de servidores da Fundação Nacional do Índio – Funai, vem a público manifestar-se a respeito do anúncio de que o órgão indigenista, por decisão da equipe de transição do governo federal, deixará de estar vinculado ao Ministério da Justiça (MJ), passando ao novo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Não se viu, no anúncio, justificativa institucional ou técnica para a decisão. Em lugar de qualquer justificativa, apresentação e defesa do nome da Sra. Damares Alves, anunciada titular da nova pasta.
A INA, evidentemente, respeita os laços afetivos da futura ministra com sua filha adotiva indígena, destacados na comunicação de seu nome para o cargo. Conhece, ainda, a visão de mundo que a leva a chamar de “uma história de luta” o trabalho que desenvolve há anos com a adoção de crianças indígenas por famílias não indígenas. No entanto, nem o mundo privado do afeto, nem uma forma de ativismo social bastante específica – e reiteradamente denunciada e questionada pelo Ministério Público Federal no que se refere à violação de direitos indígenas (1) –, explica o que leva o novo governo a alterar o vínculo ministerial da Funai com o MJ, realidade existente desde o ano de 1991, no imediato pós-Constituição Federal, como ato político de reparação pela história de colonização desse país. Ressalta-se aqui que a atividade indigenista é extremamente técnica e complexa, executada pelo Estado Brasileiro, acima de quaisquer ONGs ou projetos pessoais.
Na presente institucionalidade que cerca a execução da política indigenista brasileira, a Funai se liga com o MJ de diversas formas. O MJ é o órgão do Executivo que, tradicionalmente, dialoga com o poder Judiciário e o Ministério Público, uma vez que os direitos indígenas são também da alçada destes últimos. O procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas é a normatização de um preceito constitucional em que Funai e MJ aparecem intrinsecamente ligados. No funcionamento do Conselho Nacional de Política Indigenista, o exercício de sua Secretaria Executiva é conjunto, entre MJ e Funai. Para ações de proteção territorial, combate a ilícitos e desintrusão de terras indígenas, articulações com a Polícia Federal e a Força Nacional, ambas subordinadas ao MJ, são de fundamental relevância.
Esses são aspectos sabidamente condicionantes para a proteção e promoção dos direitos indígenas no Brasil contemporâneo. Enquanto a equipe de transição de governo não esclarecer o que tem em mente para dar conta de cada um deles à luz do novo desenho institucional, é legítimo supor que a obstaculização ou simples paralisação das matérias pode até não ter sido o motivo da recente decisão, mas será sua grave e inaceitável consequência, visto que viola a Constituição Federal que será em breve jurada.
A INA reitera o que há poucos dias comunicou, por intermédio de Ofício dirigido ao Sr. Sérgio Fernando Moro, à equipe de transição: em se pressupondo apego à ordem constitucional e à legalidade vigente, bem como a proteção desta parte do território brasileiro, manter-se-á a Funai sob vínculo administrativo com o MJ. Em se pressupondo, por outro lado, disposição ao diálogo, a mudança não seria anunciada poucas horas após uma numerosa delegação indígena ter protocolado junto ao gabinete de transição carta em que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil propõe ao presidente eleito que a Funai continue vinculada ao MJ.
Se, por um lado, a proposta de vincular a Funai ao MDH reflete uma visão reducionista acerca da politica indigenista, que trata obviamente de direitos humanos, mas que se realizam intrinsecamente aos direitos culturais e territoriais, e à sua proteção, por outro lado, separar as atribuições das demarcações dos demais direitos, deixando as primeiras lotadas na Presidência da República e os direitos sociais na segunda, conforme ventilado em grupos de Whatsapp, também remete a uma ótica nada integrada, e que vai de encontro ao que tem se construído desde 1991, independentemente da orientação partidária do governo central. Reforçamos aqui a importância de mantermo-nos vinculados a um Ministério de amplo espectro, no caso, o Ministério da Justiça.
A INA apoia o movimento indígena, pois estes são os legítimos interlocutores com os quais o futuro governo deve dialogar para tomar uma decisão tão importante, respeitando os dispositivos legais vigentes.
Brasília, 10 de dezembro de 2018.
INDIGENISTAS ASSOCIADOS
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1 MPF acusa ONGs de tirar criança indígena da mãe (O Estado de São Paulo, 08 de outubro de 2014); Damares é julgada por mostrar realidade distorcida de indígenas (Veja online, 06 de dezembro de 2018).